Os sistemas geodésicos de referência constituem a espinha dorsal da Geodésia moderna, pois fornecem os referenciais matemáticos e físicos necessários para descrever a forma, a posição e a orientação da Terra e dos objetos nela localizados. Sem esses sistemas, seria impossível obter medidas precisas de posicionamento, acompanhar a dinâmica da crosta terrestre ou realizar observações astronômicas consistentes. Em termos conceituais, um sistema geodésico de referência é composto por parâmetros bem definidos, como origem, orientação dos eixos, escala e modelo da forma da Terra. Sua aplicação é abrangente, alcançando desde a cartografia e o georreferenciamento de imóveis até a navegação de satélites e aeronaves. Assim, compreender sua natureza e evolução é fundamental para qualquer profissional ou pesquisador das ciências da Terra e do espaço.
A importância desses sistemas cresce à medida que a sociedade depende cada vez mais de tecnologias baseadas em posicionamento e tempo, como o GNSS (Global Navigation Satellite Systems), que inclui GPS, GLONASS, Galileo e BeiDou. Os sistemas de referência fornecem a base para que tais tecnologias possam funcionar de maneira precisa e globalmente unificada. Além disso, eles não se limitam a representar a Terra como um corpo físico; também envolvem referenciais celestes e orbitais que conectam observações astronômicas à superfície terrestre. Dessa forma, os sistemas geodésicos de referência constituem uma ponte entre o espaço e a Terra, permitindo integrar informações que variam desde a escala local até fenômenos globais, como mudanças climáticas e deslocamentos tectônicos.
Entre os fundamentos essenciais da Geodésia estão as chamadas constantes fundamentais, que são grandezas físicas e unidades de medida que sustentam a definição dos referenciais. Tradicionalmente, as três grandezas fundamentais da Física são comprimento, massa e tempo, representadas respectivamente pelo metro, quilograma e segundo. Essas unidades passaram por diversas redefinições ao longo da história, buscando maior precisão e independência de artefatos físicos. Inicialmente, o metro foi concebido em 1791 como a décima milionésima parte do quadrante do meridiano terrestre, estabelecendo uma ligação direta com dimensões geodésicas da Terra. Essa definição, entretanto, mostrou-se limitada devido a imprecisões nas medições geodésicas da época.
Com o avanço da metrologia, em 1889 o metro passou a ser definido por um protótipo físico de platina-irídio, armazenado no Bureau Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, França. Essa redefinição trouxe maior estabilidade, mas ainda estava sujeita a variações físicas, como alterações de temperatura. A busca por padrões universais levou à adoção, em 1960, de uma definição baseada em fenômenos atômicos, utilizando o comprimento de onda da radiação do átomo de criptônio-86. Por fim, em 1983, consolidou-se a definição atual: o metro é a distância percorrida pela luz no vácuo em um intervalo de 1/299.792.458 segundos, tornando-se dependente de uma constante universal imutável — a velocidade da luz. Essa evolução mostra como a ciência busca eliminar dependências de objetos físicos e fundamentar-se em leis universais.
Processo semelhante ocorreu com o quilograma e o segundo. O quilograma, inicialmente definido como a massa de um cilindro de platina-irídio, passou, em 2019, a ser estabelecido pela constante de Planck (h), medida por meio da balança de Kibble. Já o segundo, que durante séculos foi relacionado à rotação da Terra, ganhou definições mais estáveis: primeiro baseado no ano trópico de 1900, e, desde 1967, fixado na frequência da radiação emitida pela transição hiperfina do átomo de césio-133. Essas redefinições revelam não apenas avanços tecnológicos, mas também o impacto direto na Geodésia, pois posicionamentos de alta precisão, como os realizados pelo GNSS, dependem da exatidão absoluta dessas constantes.
O sistema de coordenadas equatoriais é um dos mais utilizados na Astronomia e na Geodésia Celeste, por estar diretamente vinculado à esfera celeste e por permitir determinar a posição dos astros independentemente do local do observador. Ele tem como plano fundamental o equador celeste, que é a projeção do equador terrestre na esfera celeste, e como eixo principal o prolongamento do eixo de rotação da Terra. Suas duas coordenadas básicas são a ascensão reta (α) e a declinação (δ), que funcionam de modo análogo à longitude e latitude na superfície terrestre. Esse sistema é particularmente útil por ser universal, ou seja, qualquer observador na Terra pode utilizá-lo sem que suas medidas dependam do local de observação.
A declinação é definida como o ângulo entre o plano do equador celeste e a direção do astro, variando de +90° no polo norte celeste a -90° no polo sul celeste. Já a ascensão reta é medida a partir do ponto vernal, em direção leste, podendo ser expressa em graus ou em horas, sendo que 24h correspondem a 360°. Além dessas duas coordenadas, o sistema equatorial também pode utilizar o ângulo horário, que mede a distância angular entre o meridiano local do observador e o círculo horário do astro. Esse conjunto de parâmetros fornece meios altamente precisos para descrever o posicionamento de estrelas, planetas e satélites artificiais.
Entretanto, o sistema equatorial não é estático. A rotação irregular da Terra, sua precessão, nutação e até movimentos como a oscilação de Chandler provocam variações perceptíveis nas coordenadas equatoriais ao longo do tempo. Para lidar com essas mudanças, são definidos catálogos de estrelas com épocas de referência, como 1950.0 e 2000.0. Atualmente, o padrão internacional é o International Celestial Reference Frame (ICRF), baseado em quasares e rádio-fontes extragalácticas praticamente fixas. Isso permite manter a estabilidade necessária para observações de altíssima precisão, essenciais não apenas para a Astronomia, mas também para a navegação por satélite e a Geodésia espacial.
O movimento do polo é um dos fenômenos mais relevantes dentro da Geodésia, pois está diretamente ligado às variações no eixo de rotação da Terra. Diferente da ideia de um eixo fixo, sabe-se que a orientação da Terra em relação ao espaço inercial sofre variações temporais que afetam tanto a posição dos polos geográficos quanto a medição do tempo. Entre os componentes principais estão a precessão, a nutação e a oscilação de Chandler. A precessão é o movimento lento e contínuo do eixo terrestre, que descreve um cone de aproximadamente 23,5° em torno da perpendicular ao plano da eclíptica, completando um ciclo em cerca de 26 mil anos. Já a nutação é um movimento de menor amplitude, superposto à precessão, causado principalmente pelas forças gravitacionais da Lua e do Sol, com períodos variando de dias a 18,6 anos.
Além da precessão e da nutação, existe a chamada oscilação de Chandler, descoberta por Seth Carlo Chandler em 1891. Esse fenômeno corresponde a uma oscilação quase periódica do eixo de rotação da Terra, com período médio de 14 meses e amplitude de aproximadamente 3 a 4 metros na superfície terrestre. Essa oscilação, somada a variações anuais e sazonais causadas por deslocamentos de massas na atmosfera, oceanos e interior do planeta, contribui para que o polo geográfico não permaneça em posição estática. Para a Geodésia, essas variações são críticas, pois impactam diretamente os sistemas de referência terrestres e, consequentemente, todas as aplicações de posicionamento de alta precisão, como GNSS e altimetria satelital.
O estudo do movimento do polo e de seus efeitos é realizado por instituições internacionais como o International Earth Rotation and Reference Systems Service (IERS), responsável por monitorar continuamente esses parâmetros e fornecer correções para observações astronômicas e geodésicas. A integração entre sistemas celestes e terrestres depende desses parâmetros de orientação da Terra, conhecidos como Earth Orientation Parameters (EOP), que permitem transformar coordenadas obtidas em referenciais celestes para sistemas terrestres e vice-versa. Esse monitoramento é vital não apenas para a Geodésia, mas também para a Astronomia, a previsão de órbitas de satélites, o funcionamento de sistemas de navegação e até para estudos sobre mudanças climáticas globais.
O conceito de sistema celeste está vinculado à Astronomia e à Astrometria, sendo um referencial fixo utilizado para determinar a posição dos astros. Sua origem não é materializável diretamente, por isso é convencionada a partir de objetos extragalácticos considerados praticamente fixos no céu, como quasares e rádio-fontes. Dois sistemas principais são empregados: o Barycentric Celestial Reference System (BCRS), centrado no baricentro do sistema solar, e o Geocentric Celestial Reference System (GCRS), centrado no geocentro da Terra. O primeiro é utilizado para o estudo de planetas e estrelas, enquanto o segundo é mais apropriado para satélites e objetos próximos da Terra.
Atualmente, a referência mais utilizada é o International Celestial Reference System (ICRS), cuja realização prática é o International Celestial Reference Frame (ICRF), baseado em observações de rádio-fontes extragalácticas por técnicas de interferometria de base muito longa (VLBI). Essa escolha garante estabilidade, já que tais objetos, a bilhões de anos-luz de distância, não apresentam movimento próprio mensurável. Antes da adoção do ICRS, utilizavam-se catálogos de estrelas, como o FK5, e posteriormente dados aprimorados por missões espaciais como o satélite Hipparcos. No entanto, as estrelas, ao contrário dos quasares, apresentam movimentos próprios que podem comprometer a estabilidade de longo prazo do sistema.
O sistema celeste, além de sua relevância para a Astronomia, é imprescindível para a Geodésia moderna, pois serve como referencial inercial para a descrição do movimento da Terra e de satélites artificiais. A transformação entre os referenciais celeste e terrestre é mediada pelos parâmetros de orientação da Terra, que incluem precessão, nutação, variação do tempo universal (UT1) e coordenadas do polo. Essa conexão é essencial, por exemplo, para que medidas realizadas por GNSS, SLR (Satellite Laser Ranging) e DORIS possam ser integradas em um único sistema global coerente.
O sistema terrestre representa a Terra em seu movimento de rotação e fornece a base para todas as medições realizadas na superfície. O mais importante sistema de referência terrestre é o International Terrestrial Reference System (ITRS), cuja realização prática é o International Terrestrial Reference Frame (ITRF). Esse sistema é definido com origem no centro de massa da Terra, incluindo oceanos e atmosfera, com orientação alinhada ao equador terrestre e ao meridiano de Greenwich. O ITRF é atualizado periodicamente para incorporar variações decorrentes de movimentos tectônicos, marés terrestres e redistribuição de massas.
A manutenção do ITRF é de responsabilidade do IERS, que combina observações de diferentes técnicas espaciais, como GNSS, SLR, VLBI e DORIS, em redes de estações distribuídas globalmente. A condição No Net Rotation (NNR) assegura que o sistema não apresente rotação líquida em relação à crosta terrestre como um todo. Isso significa que, embora placas tectônicas individuais se movimentem, o referencial é definido de forma a minimizar o movimento relativo global. Essa definição garante estabilidade para aplicações em monitoramento de deformações da crosta, mudanças climáticas e navegação global.
O sistema terrestre é complementado por redes regionais e nacionais, como o SIRGAS na América do Sul e a RBMC no Brasil, que densificam o ITRF para aplicações locais. Esses sistemas são fundamentais para o georreferenciamento de imóveis, para a cartografia oficial e para a integração com observações espaciais. Ao mesmo tempo, a conexão entre o sistema terrestre e o sistema celeste permite que observações realizadas a partir da superfície da Terra sejam compatíveis com referenciais inerciais, viabilizando análises globais de alta precisão.
Os sistemas orbitais constituem referenciais intermediários utilizados para descrever o movimento de satélites em torno da Terra. Um satélite em órbita pode ser descrito em relação a três sistemas principais: o sistema celeste, o sistema terrestre e o sistema orbital. O sistema orbital é definido no plano da órbita do satélite, sendo particularmente útil para calcular parâmetros orbitais, como inclinação, longitude do nodo ascendente e anomalia verdadeira. Esse sistema permite transições entre a dinâmica orbital e observações realizadas a partir da Terra, conectando medições locais ao espaço.
Na prática, o sistema orbital está intimamente ligado ao sistema terrestre e ao sistema celeste. O posicionamento por GNSS, por exemplo, requer a determinação precisa da órbita dos satélites em relação ao sistema celeste, enquanto as correções de observação são aplicadas no sistema terrestre. A combinação entre esses referenciais exige transformações matemáticas rigorosas, que incorporam parâmetros de orientação da Terra e modelagens de efeitos gravitacionais, atmosféricos e relativísticos. Dessa forma, o sistema orbital é indispensável para a navegação moderna, para o monitoramento de satélites artificiais e para missões espaciais.
A relevância dos sistemas orbitais também se estende a áreas como a altimetria satelital, o sensoriamento remoto e a geodésia espacial. O estudo de variações do nível médio do mar, de deformações da crosta e do campo gravitacional depende de medições realizadas por satélites cujas órbitas precisam ser conhecidas com extrema precisão. Nesse contexto, a interação entre sistemas celestes, terrestres e orbitais forma uma tríade indispensável para a compreensão global da Terra e de seus fenômenos dinâmicos.
Em síntese, os sistemas geodésicos de referência são pilares da ciência moderna, permitindo a integração entre medições realizadas na superfície terrestre e observações espaciais. As constantes fundamentais, redefinidas ao longo da história para maior precisão, sustentam esses sistemas e garantem sua confiabilidade. O sistema de coordenadas equatoriais possibilita a localização precisa de astros, enquanto o movimento do polo evidencia a natureza dinâmica da Terra. Os sistemas celeste, terrestre e orbital, por sua vez, constituem referenciais interconectados que permitem transformar coordenadas entre o espaço e a superfície terrestre, assegurando a coerência global necessária para aplicações científicas, tecnológicas e sociais. Dessa forma, compreender a estrutura e a evolução desses sistemas não é apenas um exercício acadêmico, mas um requisito essencial para o avanço das Geociências e para a sociedade que depende de tecnologias de posicionamento cada vez mais sofisticadas.
Referências
ALARSA, et al. Fundamentos de Astronomia. São Paulo: Papirus 1982, 209p.
CCVALG. A Astronomia na Antiguidade. Disponível em:. Acesso: 22 de nov. de 2024.
DALAZOANA, R.; MONTEIRO, H. D, M. Sistemas Geodésicos de Referência. 2017.
DALAZOANA, R.; NICÁCIO, E. Definição de Sistemas Geodésicos de Referência (SGRs) Modernos. Disponível em :. Acesso, 01 de dez. de 2024.
GOMES, D. S. Constantes Fundamentais e Sua Evolução: Conceitos Fundamentais. Aula da disciplina Geodésia II. UFPI, 2025.
GOMES, D. S. Sistemas Geodésicos de Referências. Aula da disciplina Geodésia II. UFPI, 2025.
MONICO, J. F. G. Posicionamento pelo GNSS: Descrição, fundamentos e aplicações. 2. ed. São Paulo: Unesp, 2008. 476 p.
UFRGS. Ângulo Horário. Disponível em:. Acesso. 23 de nov. de 2024.
UFRGS. Coordenadas Horizontais. Disponível em:. Acesso. 22 de nov. de 2024.
USP. Esfera Celeste. Disponível em:. Acesso: 22 de nov. de 2024.
A importância desses sistemas cresce à medida que a sociedade depende cada vez mais de tecnologias baseadas em posicionamento e tempo, como o GNSS (Global Navigation Satellite Systems), que inclui GPS, GLONASS, Galileo e BeiDou. Os sistemas de referência fornecem a base para que tais tecnologias possam funcionar de maneira precisa e globalmente unificada. Além disso, eles não se limitam a representar a Terra como um corpo físico; também envolvem referenciais celestes e orbitais que conectam observações astronômicas à superfície terrestre. Dessa forma, os sistemas geodésicos de referência constituem uma ponte entre o espaço e a Terra, permitindo integrar informações que variam desde a escala local até fenômenos globais, como mudanças climáticas e deslocamentos tectônicos.
Entre os fundamentos essenciais da Geodésia estão as chamadas constantes fundamentais, que são grandezas físicas e unidades de medida que sustentam a definição dos referenciais. Tradicionalmente, as três grandezas fundamentais da Física são comprimento, massa e tempo, representadas respectivamente pelo metro, quilograma e segundo. Essas unidades passaram por diversas redefinições ao longo da história, buscando maior precisão e independência de artefatos físicos. Inicialmente, o metro foi concebido em 1791 como a décima milionésima parte do quadrante do meridiano terrestre, estabelecendo uma ligação direta com dimensões geodésicas da Terra. Essa definição, entretanto, mostrou-se limitada devido a imprecisões nas medições geodésicas da época.
Com o avanço da metrologia, em 1889 o metro passou a ser definido por um protótipo físico de platina-irídio, armazenado no Bureau Internacional de Pesos e Medidas, em Sèvres, França. Essa redefinição trouxe maior estabilidade, mas ainda estava sujeita a variações físicas, como alterações de temperatura. A busca por padrões universais levou à adoção, em 1960, de uma definição baseada em fenômenos atômicos, utilizando o comprimento de onda da radiação do átomo de criptônio-86. Por fim, em 1983, consolidou-se a definição atual: o metro é a distância percorrida pela luz no vácuo em um intervalo de 1/299.792.458 segundos, tornando-se dependente de uma constante universal imutável — a velocidade da luz. Essa evolução mostra como a ciência busca eliminar dependências de objetos físicos e fundamentar-se em leis universais.
Processo semelhante ocorreu com o quilograma e o segundo. O quilograma, inicialmente definido como a massa de um cilindro de platina-irídio, passou, em 2019, a ser estabelecido pela constante de Planck (h), medida por meio da balança de Kibble. Já o segundo, que durante séculos foi relacionado à rotação da Terra, ganhou definições mais estáveis: primeiro baseado no ano trópico de 1900, e, desde 1967, fixado na frequência da radiação emitida pela transição hiperfina do átomo de césio-133. Essas redefinições revelam não apenas avanços tecnológicos, mas também o impacto direto na Geodésia, pois posicionamentos de alta precisão, como os realizados pelo GNSS, dependem da exatidão absoluta dessas constantes.
O sistema de coordenadas equatoriais é um dos mais utilizados na Astronomia e na Geodésia Celeste, por estar diretamente vinculado à esfera celeste e por permitir determinar a posição dos astros independentemente do local do observador. Ele tem como plano fundamental o equador celeste, que é a projeção do equador terrestre na esfera celeste, e como eixo principal o prolongamento do eixo de rotação da Terra. Suas duas coordenadas básicas são a ascensão reta (α) e a declinação (δ), que funcionam de modo análogo à longitude e latitude na superfície terrestre. Esse sistema é particularmente útil por ser universal, ou seja, qualquer observador na Terra pode utilizá-lo sem que suas medidas dependam do local de observação.
A declinação é definida como o ângulo entre o plano do equador celeste e a direção do astro, variando de +90° no polo norte celeste a -90° no polo sul celeste. Já a ascensão reta é medida a partir do ponto vernal, em direção leste, podendo ser expressa em graus ou em horas, sendo que 24h correspondem a 360°. Além dessas duas coordenadas, o sistema equatorial também pode utilizar o ângulo horário, que mede a distância angular entre o meridiano local do observador e o círculo horário do astro. Esse conjunto de parâmetros fornece meios altamente precisos para descrever o posicionamento de estrelas, planetas e satélites artificiais.
Entretanto, o sistema equatorial não é estático. A rotação irregular da Terra, sua precessão, nutação e até movimentos como a oscilação de Chandler provocam variações perceptíveis nas coordenadas equatoriais ao longo do tempo. Para lidar com essas mudanças, são definidos catálogos de estrelas com épocas de referência, como 1950.0 e 2000.0. Atualmente, o padrão internacional é o International Celestial Reference Frame (ICRF), baseado em quasares e rádio-fontes extragalácticas praticamente fixas. Isso permite manter a estabilidade necessária para observações de altíssima precisão, essenciais não apenas para a Astronomia, mas também para a navegação por satélite e a Geodésia espacial.
O movimento do polo é um dos fenômenos mais relevantes dentro da Geodésia, pois está diretamente ligado às variações no eixo de rotação da Terra. Diferente da ideia de um eixo fixo, sabe-se que a orientação da Terra em relação ao espaço inercial sofre variações temporais que afetam tanto a posição dos polos geográficos quanto a medição do tempo. Entre os componentes principais estão a precessão, a nutação e a oscilação de Chandler. A precessão é o movimento lento e contínuo do eixo terrestre, que descreve um cone de aproximadamente 23,5° em torno da perpendicular ao plano da eclíptica, completando um ciclo em cerca de 26 mil anos. Já a nutação é um movimento de menor amplitude, superposto à precessão, causado principalmente pelas forças gravitacionais da Lua e do Sol, com períodos variando de dias a 18,6 anos.
Além da precessão e da nutação, existe a chamada oscilação de Chandler, descoberta por Seth Carlo Chandler em 1891. Esse fenômeno corresponde a uma oscilação quase periódica do eixo de rotação da Terra, com período médio de 14 meses e amplitude de aproximadamente 3 a 4 metros na superfície terrestre. Essa oscilação, somada a variações anuais e sazonais causadas por deslocamentos de massas na atmosfera, oceanos e interior do planeta, contribui para que o polo geográfico não permaneça em posição estática. Para a Geodésia, essas variações são críticas, pois impactam diretamente os sistemas de referência terrestres e, consequentemente, todas as aplicações de posicionamento de alta precisão, como GNSS e altimetria satelital.
O estudo do movimento do polo e de seus efeitos é realizado por instituições internacionais como o International Earth Rotation and Reference Systems Service (IERS), responsável por monitorar continuamente esses parâmetros e fornecer correções para observações astronômicas e geodésicas. A integração entre sistemas celestes e terrestres depende desses parâmetros de orientação da Terra, conhecidos como Earth Orientation Parameters (EOP), que permitem transformar coordenadas obtidas em referenciais celestes para sistemas terrestres e vice-versa. Esse monitoramento é vital não apenas para a Geodésia, mas também para a Astronomia, a previsão de órbitas de satélites, o funcionamento de sistemas de navegação e até para estudos sobre mudanças climáticas globais.
O conceito de sistema celeste está vinculado à Astronomia e à Astrometria, sendo um referencial fixo utilizado para determinar a posição dos astros. Sua origem não é materializável diretamente, por isso é convencionada a partir de objetos extragalácticos considerados praticamente fixos no céu, como quasares e rádio-fontes. Dois sistemas principais são empregados: o Barycentric Celestial Reference System (BCRS), centrado no baricentro do sistema solar, e o Geocentric Celestial Reference System (GCRS), centrado no geocentro da Terra. O primeiro é utilizado para o estudo de planetas e estrelas, enquanto o segundo é mais apropriado para satélites e objetos próximos da Terra.
Atualmente, a referência mais utilizada é o International Celestial Reference System (ICRS), cuja realização prática é o International Celestial Reference Frame (ICRF), baseado em observações de rádio-fontes extragalácticas por técnicas de interferometria de base muito longa (VLBI). Essa escolha garante estabilidade, já que tais objetos, a bilhões de anos-luz de distância, não apresentam movimento próprio mensurável. Antes da adoção do ICRS, utilizavam-se catálogos de estrelas, como o FK5, e posteriormente dados aprimorados por missões espaciais como o satélite Hipparcos. No entanto, as estrelas, ao contrário dos quasares, apresentam movimentos próprios que podem comprometer a estabilidade de longo prazo do sistema.
O sistema celeste, além de sua relevância para a Astronomia, é imprescindível para a Geodésia moderna, pois serve como referencial inercial para a descrição do movimento da Terra e de satélites artificiais. A transformação entre os referenciais celeste e terrestre é mediada pelos parâmetros de orientação da Terra, que incluem precessão, nutação, variação do tempo universal (UT1) e coordenadas do polo. Essa conexão é essencial, por exemplo, para que medidas realizadas por GNSS, SLR (Satellite Laser Ranging) e DORIS possam ser integradas em um único sistema global coerente.
O sistema terrestre representa a Terra em seu movimento de rotação e fornece a base para todas as medições realizadas na superfície. O mais importante sistema de referência terrestre é o International Terrestrial Reference System (ITRS), cuja realização prática é o International Terrestrial Reference Frame (ITRF). Esse sistema é definido com origem no centro de massa da Terra, incluindo oceanos e atmosfera, com orientação alinhada ao equador terrestre e ao meridiano de Greenwich. O ITRF é atualizado periodicamente para incorporar variações decorrentes de movimentos tectônicos, marés terrestres e redistribuição de massas.
A manutenção do ITRF é de responsabilidade do IERS, que combina observações de diferentes técnicas espaciais, como GNSS, SLR, VLBI e DORIS, em redes de estações distribuídas globalmente. A condição No Net Rotation (NNR) assegura que o sistema não apresente rotação líquida em relação à crosta terrestre como um todo. Isso significa que, embora placas tectônicas individuais se movimentem, o referencial é definido de forma a minimizar o movimento relativo global. Essa definição garante estabilidade para aplicações em monitoramento de deformações da crosta, mudanças climáticas e navegação global.
O sistema terrestre é complementado por redes regionais e nacionais, como o SIRGAS na América do Sul e a RBMC no Brasil, que densificam o ITRF para aplicações locais. Esses sistemas são fundamentais para o georreferenciamento de imóveis, para a cartografia oficial e para a integração com observações espaciais. Ao mesmo tempo, a conexão entre o sistema terrestre e o sistema celeste permite que observações realizadas a partir da superfície da Terra sejam compatíveis com referenciais inerciais, viabilizando análises globais de alta precisão.
Os sistemas orbitais constituem referenciais intermediários utilizados para descrever o movimento de satélites em torno da Terra. Um satélite em órbita pode ser descrito em relação a três sistemas principais: o sistema celeste, o sistema terrestre e o sistema orbital. O sistema orbital é definido no plano da órbita do satélite, sendo particularmente útil para calcular parâmetros orbitais, como inclinação, longitude do nodo ascendente e anomalia verdadeira. Esse sistema permite transições entre a dinâmica orbital e observações realizadas a partir da Terra, conectando medições locais ao espaço.
Na prática, o sistema orbital está intimamente ligado ao sistema terrestre e ao sistema celeste. O posicionamento por GNSS, por exemplo, requer a determinação precisa da órbita dos satélites em relação ao sistema celeste, enquanto as correções de observação são aplicadas no sistema terrestre. A combinação entre esses referenciais exige transformações matemáticas rigorosas, que incorporam parâmetros de orientação da Terra e modelagens de efeitos gravitacionais, atmosféricos e relativísticos. Dessa forma, o sistema orbital é indispensável para a navegação moderna, para o monitoramento de satélites artificiais e para missões espaciais.
A relevância dos sistemas orbitais também se estende a áreas como a altimetria satelital, o sensoriamento remoto e a geodésia espacial. O estudo de variações do nível médio do mar, de deformações da crosta e do campo gravitacional depende de medições realizadas por satélites cujas órbitas precisam ser conhecidas com extrema precisão. Nesse contexto, a interação entre sistemas celestes, terrestres e orbitais forma uma tríade indispensável para a compreensão global da Terra e de seus fenômenos dinâmicos.
Em síntese, os sistemas geodésicos de referência são pilares da ciência moderna, permitindo a integração entre medições realizadas na superfície terrestre e observações espaciais. As constantes fundamentais, redefinidas ao longo da história para maior precisão, sustentam esses sistemas e garantem sua confiabilidade. O sistema de coordenadas equatoriais possibilita a localização precisa de astros, enquanto o movimento do polo evidencia a natureza dinâmica da Terra. Os sistemas celeste, terrestre e orbital, por sua vez, constituem referenciais interconectados que permitem transformar coordenadas entre o espaço e a superfície terrestre, assegurando a coerência global necessária para aplicações científicas, tecnológicas e sociais. Dessa forma, compreender a estrutura e a evolução desses sistemas não é apenas um exercício acadêmico, mas um requisito essencial para o avanço das Geociências e para a sociedade que depende de tecnologias de posicionamento cada vez mais sofisticadas.
Referências
ALARSA, et al. Fundamentos de Astronomia. São Paulo: Papirus 1982, 209p.
CCVALG. A Astronomia na Antiguidade. Disponível em:
DALAZOANA, R.; MONTEIRO, H. D, M. Sistemas Geodésicos de Referência. 2017.
DALAZOANA, R.; NICÁCIO, E. Definição de Sistemas Geodésicos de Referência (SGRs) Modernos. Disponível em :
GOMES, D. S. Constantes Fundamentais e Sua Evolução: Conceitos Fundamentais. Aula da disciplina Geodésia II. UFPI, 2025.
GOMES, D. S. Sistemas Geodésicos de Referências. Aula da disciplina Geodésia II. UFPI, 2025.
MONICO, J. F. G. Posicionamento pelo GNSS: Descrição, fundamentos e aplicações. 2. ed. São Paulo: Unesp, 2008. 476 p.
UFRGS. Ângulo Horário. Disponível em:
UFRGS. Coordenadas Horizontais. Disponível em:
USP. Esfera Celeste. Disponível em:
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