quinta-feira, 21 de agosto de 2025

As cidades na era moderna e contemporânea.


A Era Industrial, iniciada entre os séculos XVIII e XIX, representa uma das mais profundas rupturas históricas na organização econômica, social e espacial das sociedades. Com a introdução da máquina a vapor, a mecanização da produção e o avanço tecnológico nas indústrias têxteis, siderúrgicas e posteriormente químicas, a urbanização experimentou uma aceleração inédita. As cidades passaram a concentrar não apenas capitais, mas também multidões de trabalhadores, migrantes do campo em busca de novas oportunidades. Este fenômeno gerou profundas mudanças na morfologia urbana: os centros tornaram-se densamente povoados, enquanto bairros operários se expandiam de maneira desordenada nas periferias. A industrialização, portanto, não apenas transformou os meios de produção, mas também redesenhou os espaços de convivência, criando novos desafios para a organização das cidades.

As transformações promovidas pela industrialização trouxeram consigo intensos contrastes. Por um lado, consolidou-se o crescimento econômico, o desenvolvimento tecnológico e a ampliação das redes de transporte, especialmente ferrovias e portos. Por outro, as cidades industriais foram marcadas pela degradação ambiental, condições insalubres de moradia e exploração da classe trabalhadora. Essa dualidade expôs a tensão entre progresso técnico e desigualdade social, um dilema que se tornaria central para as futuras teorias urbanísticas. O crescimento urbano acelerado, sem planejamento, levou ao surgimento de problemas de habitação, saneamento básico e saúde pública. Assim, a Era Industrial deve ser compreendida como um período de contrastes, em que o dinamismo econômico coexistia com a precarização das condições de vida urbana.

À medida que a industrialização avançava, novas centralidades surgiram. Cidades como Londres, Manchester, Paris e Berlim tornaram-se símbolos do crescimento urbano-industrial. A concentração fabril gerava oportunidades, mas também intensificava os problemas sociais. O êxodo rural, somado à imigração internacional, inflava as populações urbanas em ritmo muito superior à capacidade de absorção das cidades. A urbanização passou a ser um processo global, atingindo a América, a Ásia e posteriormente a América Latina, onde cidades como São Paulo e Buenos Aires experimentaram crescimento exponencial. Esse quadro impôs aos governos a necessidade de repensar a função das cidades e o papel do planejamento, dando início às bases do urbanismo moderno.

O crescimento desordenado e os problemas sanitários das cidades industriais impulsionaram a formulação de teorias urbanísticas. O urbanismo moderno nasceu como resposta à necessidade de conciliar progresso econômico e qualidade de vida. Engenheiros, médicos e arquitetos começaram a pensar a cidade de forma científica, articulando saberes interdisciplinares. As primeiras intervenções urbanas, como as reformas haussmannianas em Paris (meados do século XIX), representaram um marco na tentativa de modernizar o espaço urbano, abrindo grandes avenidas, promovendo ventilação e reorganizando o tráfego. Ao mesmo tempo, surgiram propostas alternativas, como as Cidades-Jardim de Ebenezer Howard, que defendiam a integração equilibrada entre campo e cidade. Essas ideias influenciaram profundamente os rumos do urbanismo no século XX.

O urbanismo moderno consolidou-se no início do século XX, com forte inspiração nos princípios funcionalistas. A Carta de Atenas, elaborada em 1933 pelo Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) sob a liderança de Le Corbusier, estabeleceu diretrizes que marcaram a organização das cidades contemporâneas: a separação de funções (habitar, trabalhar, circular e recrear), o zoneamento urbano e a valorização da verticalização. Apesar de sua racionalidade, essas propostas foram criticadas por promover a homogeneização espacial e a fragmentação da vida urbana. Ainda assim, o urbanismo moderno teve papel fundamental ao estruturar políticas urbanas e projetos de reconstrução após a Segunda Guerra Mundial, influenciando tanto a Europa quanto a América Latina.

Ao longo do século XX, críticas às ideias modernistas se intensificaram. Autores como Jane Jacobs apontaram a importância da vitalidade urbana, da diversidade de usos e da vida comunitária nas ruas, em oposição à rigidez dos projetos modernistas. Henri Lefebvre, por sua vez, introduziu uma leitura sociológica e filosófica da cidade, discutindo o “direito à cidade” como princípio fundamental da vida urbana. Essas críticas não anularam os avanços modernistas, mas abriram espaço para novas abordagens, como o urbanismo participativo, o planejamento estratégico e as políticas de sustentabilidade urbana. Assim, a evolução urbana moderna deve ser entendida como um processo dialético entre propostas técnicas e demandas sociais.

As cidades modernas foram marcadas pelo fenômeno metropolitano. O crescimento populacional e a expansão horizontal resultaram em aglomerações urbanas de grande porte, frequentemente transbordando os limites administrativos tradicionais. A metrópole passou a ser o novo paradigma urbano, exigindo políticas regionais de planejamento. Sistemas de transporte de massa, como metrôs e rodovias, tornaram-se estruturantes da vida urbana, moldando a mobilidade e a organização do território. A concentração de atividades econômicas em áreas centrais, associada à periferização da população trabalhadora, reforçou processos de segregação socioespacial, um dos grandes desafios da urbanização moderna.

O avanço tecnológico do século XX trouxe novas camadas à urbanização. A eletrificação, os automóveis, os arranha-céus e, mais recentemente, as tecnologias digitais, transformaram radicalmente a experiência urbana. Cidades como Nova York e Tóquio simbolizaram a modernidade, com suas paisagens verticais e ritmos acelerados. No entanto, tais transformações ampliaram desigualdades: enquanto áreas centrais se modernizavam, periferias permaneciam carentes de infraestrutura básica. Além disso, os impactos ambientais do modelo de crescimento urbano, baseado no consumo intensivo de energia e na expansão horizontal, tornaram-se evidentes. O urbanismo contemporâneo, portanto, precisa conciliar inovação tecnológica e sustentabilidade.

Na contemporaneidade, o processo de urbanização atingiu escala global. Megacidades como São Paulo, Cidade do México, Xangai e Mumbai concentram dezenas de milhões de habitantes, enfrentando desafios inéditos de mobilidade, habitação e governança. O conceito de “cidade global”, desenvolvido por Saskia Sassen, enfatiza o papel das metrópoles como centros de comando da economia mundial, mas também evidencia as desigualdades sociais e territoriais que marcam tais espaços. Políticas urbanas contemporâneas passaram a dialogar com princípios de sustentabilidade, inclusão social e participação cidadã, buscando superar os limites herdados da urbanização industrial e modernista.

As cidades da era moderna e contemporânea são o resultado de um longo processo histórico, iniciado com a Revolução Industrial e continuamente moldado por transformações econômicas, sociais e tecnológicas. Se a industrialização criou as bases para a urbanização acelerada, o urbanismo moderno forneceu ferramentas para pensar e organizar o espaço urbano, ainda que com limitações. As metrópoles contemporâneas, por sua vez, representam tanto o auge da complexidade urbana quanto o desafio de conciliar desenvolvimento econômico, justiça social e sustentabilidade ambiental. Assim, compreender a trajetória das cidades modernas e contemporâneas é essencial não apenas para a Engenharia Cartográfica e de Agrimensura, mas também para o planejamento urbano e regional no século XXI.

Referências

BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 1993.
CHOAY, Françoise. O Urbanismo: utopias e realidades. São Paulo: Perspectiva, 2003.
HALL, Peter. Cidades do Amanhã. São Paulo: Perspectiva, 2002.
GOMES, D. S. As cidades na era moderna e contemporânea.. Aula da disciplina Parcelamento Territorial, 2025.
LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
MUMFORD, Lewis. A Cidade na História. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
SASSEN, Saskia. The Global City: New York, London, Tokyo. Princeton: Princeton University Press, 2001.
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