quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Sistema Geodésico Brasileiro: Histórico e Atual Sistema Geodésico Brasileiro


Um sistema geodésico é definido como o conjunto de referenciais matemáticos, físicos e técnicos que possibilitam a determinação precisa da forma, do tamanho e da posição da Terra, bem como a localização de pontos em sua superfície. Ele constitui a base de todos os trabalhos de Geodésia e Cartografia, fornecendo o suporte para medições espaciais, levantamentos topográficos, georreferenciamento e aplicações de navegação. A definição de um sistema geodésico envolve três elementos fundamentais: o datum geodésico, que estabelece as condições de origem, orientação e forma do elipsoide de referência; a rede geodésica, que materializa o datum por meio de pontos com coordenadas conhecidas; e os modelos matemáticos, que permitem a conversão entre diferentes sistemas de coordenadas e a correção de efeitos físicos da Terra. A construção de um sistema geodésico é essencial porque a Terra não é um corpo regular, e sua forma apresenta irregularidades que exigem modelos precisos para representações confiáveis. Além disso, à medida que a tecnologia evolui, especialmente com o uso de satélites artificiais, sistemas globais de posicionamento e observações geofísicas, tornou-se necessário atualizar periodicamente esses referenciais para garantir a coerência entre as medições locais e globais. Assim, compreender o conceito e a função de um sistema geodésico é o primeiro passo para analisar a evolução histórica e o estado atual do Sistema Geodésico Brasileiro (SGB).

A rede planimétrica constitui um dos pilares do Sistema Geodésico Brasileiro, sendo responsável por fornecer a localização de pontos na superfície terrestre em termos de latitude e longitude. Historicamente, essa rede foi materializada por marcos geodésicos implantados em campo, os quais serviram como referenciais fixos para levantamentos topográficos e cartográficos. Inicialmente, sua implantação se dava por meio de métodos clássicos, como triangulação e trilateração, técnicas que envolviam medições angulares e lineares em grandes extensões do território. Com o tempo, a densificação dessa rede foi realizada por observações astronômicas e, mais recentemente, por técnicas de posicionamento por satélites, como o GNSS (Global Navigation Satellite Systems). A rede planimétrica brasileira, além de servir como base para a produção cartográfica oficial, também desempenha papel essencial em atividades como o georreferenciamento de imóveis rurais e urbanos, obras de engenharia, monitoramento de deformações crustais e até mesmo em estudos de dinâmica terrestre. Hoje, essa rede encontra-se integrada ao SIRGAS2000, sistema que unificou os referenciais latino-americanos em consonância com padrões globais, permitindo uma consistência espacial entre medições realizadas no Brasil e em qualquer outra parte do mundo. Portanto, a rede planimétrica representa não apenas um conjunto de pontos fixos no espaço, mas a garantia de coerência entre medições locais e globais.

A rede altimétrica tem como objetivo fornecer as altitudes ortométricas dos pontos de referência na superfície terrestre. Essa rede é estabelecida a partir de marcos implantados ao longo de linhas de nivelamento, que se conectam a marégrafos instalados no litoral, responsáveis por registrar o nível médio do mar. No Brasil, a referência altimétrica oficial está ligada ao Marégrafo de Imbituba, em Santa Catarina, que ao longo de décadas forneceu a base de dados para o nivelamento de alta precisão no território nacional. A construção dessa rede é fundamental, pois permite não apenas a determinação de cotas topográficas em obras de engenharia e projetos de infraestrutura, mas também estudos relacionados à hidrologia, à dinâmica de rios e represas, e ao monitoramento de variações do nível do mar, associadas às mudanças climáticas. No contexto moderno, a rede altimétrica é complementada por técnicas de altimetria por satélites e por modelos geoidais, que buscam representar com maior precisão o campo gravitacional da Terra e sua influência sobre o nível médio dos oceanos. No SGB atual, há uma integração entre o nivelamento clássico e as observações GNSS vinculadas a modelos geoidais regionais, permitindo maior compatibilidade entre altitudes ortométricas e elipsoidais. Assim, a rede altimétrica constitui um elo essencial entre o sistema terrestre e a realidade física da gravidade e da hidrodinâmica.

A rede gravimétrica é a responsável pela determinação das variações do campo gravitacional terrestre em pontos de referência distribuídos no território nacional. Essas medições são fundamentais porque a gravidade está diretamente associada à forma física da Terra e à definição do geoide, superfície equipotencial do campo gravitacional que serve como referência natural para as altitudes. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em conjunto com instituições de pesquisa, desenvolveu uma rede gravimétrica baseada em observações com gravímetros relativos e absolutos, visando à construção de um modelo nacional do campo da gravidade. Essa rede permite não apenas a determinação mais precisa do geoide brasileiro, mas também aplicações práticas como correções em levantamentos topográficos, estudos geofísicos, prospecção mineral e monitoramento de variações tectônicas. No contexto atual, a integração da rede gravimétrica com técnicas espaciais, como o satélite GRACE e suas missões subsequentes, ampliou o alcance da Geodésia brasileira, permitindo monitorar redistribuições de massa na Terra relacionadas a processos climáticos, hidrológicos e tectônicos. Dessa forma, a rede gravimétrica não se limita a fornecer dados de caráter geodésico, mas desempenha papel estratégico no estudo e compreensão de fenômenos globais, reforçando a importância da integração entre redes planimétrica, altimétrica e gravimétrica no SGB.

O termo datum geodésico refere-se ao conjunto de parâmetros que definem a posição, a orientação e a escala de um sistema de coordenadas utilizado para representar a Terra. Em termos práticos, um datum é composto pela definição de um elipsoide de referência, pela fixação de sua origem e orientação em relação à Terra, e pela determinação da escala que relaciona distâncias medidas no elipsoide com as distâncias físicas observadas na superfície terrestre. Os datums podem ser classificados em locais, quando ajustados para melhor representar uma região específica, ou globais, quando concebidos para fornecer uma representação coerente da Terra como um todo. A escolha do datum tem implicações diretas em levantamentos e aplicações cartográficas, pois diferentes definições podem resultar em discrepâncias de até centenas de metros nas coordenadas de um mesmo ponto. No Brasil, a evolução dos datums geodésicos reflete a própria evolução da Geodésia nacional, partindo de referenciais locais, como o Córrego Alegre, passando por sistemas intermediários como o SAD69, até a adoção do sistema global SIRGAS2000. Com isso, compreender a definição e a evolução dos datums é essencial para entender a trajetória do Sistema Geodésico Brasileiro e sua integração às práticas internacionais.

O Datum Córrego Alegre, implantado em 1961, foi o primeiro datum geodésico de abrangência nacional no Brasil. Ele foi baseado no elipsoide internacional de Hayford (1924) e tinha como ponto de origem a estação Córrego Alegre, localizada no estado de Minas Gerais. Esse datum foi concebido para atender às necessidades da cartografia nacional em uma época em que os métodos de observação eram essencialmente terrestres, baseados em triangulação clássica e observações astronômicas. Apesar de ter representado um grande avanço para a Geodésia brasileira, o Córrego Alegre possuía limitações, especialmente pela sua natureza de datum local, ajustado para a região central do Brasil, o que provocava distorções crescentes à medida que se avançava para regiões periféricas do território. Ainda assim, o sistema foi amplamente utilizado em projetos cartográficos, obras de infraestrutura e levantamentos topográficos até a década de 1970. Sua relevância histórica está em ter sido a primeira tentativa de unificar, em escala nacional, as medições geodésicas no Brasil, estabelecendo as bases para os sistemas subsequentes.

Com o avanço das necessidades geodésicas e a limitação do Córrego Alegre, o Brasil adotou em 1967 o Astro Datum Chuá, também baseado no elipsoide internacional de Hayford. Esse datum foi estabelecido a partir de observações astronômicas realizadas na estação Chuá, também em Minas Gerais, e tinha como principal objetivo corrigir as deficiências regionais do Córrego Alegre. Apesar de sua implantação, o Astro Datum Chuá não chegou a ser amplamente utilizado, pois sua implementação coincidiu com o início da transição para métodos de posicionamento mais modernos, baseados em satélites artificiais. Assim, o Astro Datum Chuá é considerado uma experiência de caráter experimental, que buscava melhorar a coerência do sistema geodésico brasileiro, mas que acabou rapidamente superado por novas demandas e tecnologias emergentes. Contudo, seu legado foi importante por introduzir conceitos mais avançados de observação astronômica e por servir de elo de transição entre o Córrego Alegre e o sistema que se consolidaria na década seguinte: o SAD69.

O South American Datum 1969 (SAD69) representou um marco na Geodésia brasileira e sul-americana. Criado a partir de um esforço multinacional coordenado, o SAD69 teve como base o elipsoide de referência GRS67 (Geodetic Reference System 1967) e foi ajustado para representar de forma mais consistente todo o continente sul-americano. Sua origem estava localizada em Chuá, Minas Gerais, e o sistema foi adotado oficialmente no Brasil em 1975. O SAD69 trouxe grandes avanços ao possibilitar a integração de levantamentos em escala continental, oferecendo maior consistência cartográfica entre os países sul-americanos. No entanto, o advento das tecnologias espaciais revelou as limitações do SAD69, já que, por se tratar de um datum local, não possuía compatibilidade plena com os sistemas globais de navegação por satélite que começaram a se popularizar a partir da década de 1980. Essa incompatibilidade levou à necessidade de adotar um sistema verdadeiramente global, que atendesse não apenas às demandas nacionais, mas também à integração internacional. Esse processo culminaria no projeto de adoção do SIRGAS2000, marco da Geodésia moderna no Brasil.

A crescente utilização de sistemas de navegação por satélite, como o GPS, evidenciou a necessidade urgente de o Brasil abandonar os referenciais locais e adotar um sistema global compatível. O Projeto Mudança do Referencial Geodésico foi lançado oficialmente pelo IBGE na década de 1990, com o objetivo de substituir o SAD69 por um sistema alinhado ao referencial internacional ITRF (International Terrestrial Reference Frame). Esse projeto envolveu a instalação e densificação da Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo (RBMC), composta por estações GNSS distribuídas em todo o território nacional, conectadas ao Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (SIRGAS). Além disso, foram realizados trabalhos de atualização das redes altimétrica e gravimétrica, visando garantir a compatibilidade entre todos os subsistemas do SGB. A implementação do novo sistema representava não apenas um avanço técnico, mas também uma exigência estratégica, já que a dependência de referenciais locais poderia comprometer a precisão e a confiabilidade de levantamentos modernos, especialmente os vinculados a satélites.

O SIRGAS2000 (Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas) foi oficialmente adotado no Brasil em fevereiro de 2005 como o novo sistema geodésico de referência. Ele está alinhado ao ITRF2000 e fundamenta-se em um datum global, geocêntrico e dinâmico, compatível com as técnicas modernas de Geodésia espacial. Diferentemente dos datums locais, o SIRGAS2000 considera a Terra como um todo, incluindo oceanos e atmosfera, e sua origem está no centro de massa da Terra. Esse sistema permite uma integração perfeita com os sistemas globais de navegação por satélite, como GPS, GLONASS, Galileo e BeiDou, garantindo a precisão necessária para aplicações de engenharia, cartografia, georreferenciamento de imóveis rurais e urbanos, monitoramento de deformações da crosta e estudos climáticos. Além disso, o SIRGAS2000 é atualizado periodicamente por meio de soluções do ITRF, assegurando que esteja sempre em conformidade com os referenciais globais mais recentes. Sua implantação representou um divisor de águas para a Geodésia brasileira, elevando o país ao patamar dos padrões internacionais e possibilitando a integração plena em projetos científicos e tecnológicos de escala global.

A adoção do SIRGAS2000 trouxe inúmeros benefícios para o Brasil, especialmente no que diz respeito à unificação dos referenciais utilizados em diferentes áreas do conhecimento. O sistema tornou-se a base obrigatória para todas as atividades de georreferenciamento de imóveis rurais, exigidas pelo Incra desde 2008, além de servir como referencial único para a cartografia oficial do país. Em projetos de engenharia, como construção de rodovias, ferrovias, barragens e redes de energia, o SIRGAS2000 oferece maior precisão e consistência, evitando discrepâncias que antes ocorriam com a coexistência de múltiplos sistemas. Do ponto de vista científico, sua integração com o SIRGAS continental fortalece a cooperação regional na América do Sul, permitindo estudos conjuntos sobre deformações tectônicas, dinâmica do campo gravitacional e variações do nível do mar. Outro benefício relevante é sua aplicabilidade em tempo real, por meio da RBMC e de serviços de posicionamento online disponibilizados pelo IBGE, que oferecem coordenadas atualizadas com altíssima precisão para usuários de diferentes setores. Portanto, o SIRGAS2000 não apenas substituiu os antigos datums brasileiros, mas também promoveu uma revolução na forma como o território nacional é representado e monitorado.

Apesar dos avanços trazidos pelo SIRGAS2000, sua consolidação plena no Brasil ainda enfrenta desafios. Muitos acervos cartográficos e bases de dados continuam referenciados em sistemas antigos, como o SAD69, exigindo transformações de coordenadas para compatibilização com o novo sistema. Além disso, a manutenção da RBMC requer investimentos contínuos em infraestrutura, atualização tecnológica e capacitação de pessoal. Outro desafio é a integração entre as redes altimétrica e gravimétrica ao novo sistema, especialmente no que diz respeito à compatibilidade entre altitudes ortométricas e elipsoidais. Nesse contexto, o IBGE e a comunidade científica brasileira têm trabalhado no desenvolvimento de modelos geoidais nacionais cada vez mais precisos, capazes de integrar medições GNSS às altitudes físicas utilizadas em engenharia e hidrologia. O futuro do SGB aponta para uma integração cada vez maior entre técnicas espaciais e observações terrestres, reforçando o papel estratégico do país em estudos de mudanças climáticas, dinâmica tectônica e monitoramento ambiental. Assim, a consolidação do SIRGAS2000 e a superação desses desafios são fundamentais para garantir que o Brasil continue alinhado às práticas internacionais da Geodésia.

Em síntese, o Sistema Geodésico Brasileiro passou por uma trajetória de transformações que refletem tanto a evolução da ciência geodésica quanto as demandas crescentes da sociedade. Desde os primeiros referenciais locais, como o Córrego Alegre e o Astro Datum Chuá, passando pela consolidação do SAD69, até a adoção do SIRGAS2000, observa-se um movimento contínuo em direção à integração com os padrões globais e ao aumento da precisão das medições. As redes planimétrica, altimétrica e gravimétrica, aliadas à definição dos datums, compõem a espinha dorsal desse sistema, permitindo aplicações que vão da cartografia básica ao monitoramento de fenômenos globais. O SIRGAS2000, como atual referencial, representa não apenas um avanço técnico, mas um marco estratégico para o Brasil, inserindo-o definitivamente no cenário internacional da Geodésia. Contudo, sua plena consolidação depende de esforços contínuos de atualização, manutenção e integração de dados. Assim, compreender o histórico e o estado atual do SGB é essencial não apenas para profissionais da área, mas também para a sociedade que depende cada vez mais de informações espaciais precisas e confiáveis.

Referências

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