Historicamente, os sistemas geodésicos de concepção clássica estabeleciam diferenciações entre referenciais horizontais e verticais. O SGR horizontal era responsável pelas coordenadas planimétricas (latitude e longitude) e era definido a partir de um elipsoide ajustado localmente ao geóide, sendo que o centro desse elipsoide geralmente não coincidia com o centro de massa da Terra, mas estava associado a um ponto datum de origem definido por observações astronômicas. Já o SGR vertical fornecia a referência para altitudes, geralmente associadas ao nível médio do mar, definido por marégrafos e nivelamentos de alta precisão. No Brasil, o Marégrafo de Imbituba, em Santa Catarina, serviu como origem da rede altimétrica nacional. Esses sistemas clássicos, apesar de fundamentais para o desenvolvimento inicial da cartografia, apresentavam limitações quanto à compatibilidade global, pois eram concebidos para atender apenas às necessidades regionais. Com a chegada da Geodésia moderna, fortemente baseada em técnicas espaciais, tornou-se necessário adotar sistemas geocêntricos, cuja origem está no centro de massa da Terra e cujos eixos se alinham ao eixo de rotação. Essa mudança gerou a necessidade de transformar coordenadas antigas, referidas a sistemas locais, em sistemas globais, de modo a assegurar consistência entre levantamentos históricos e atuais.
As transformações entre sistemas de referência podem ser realizadas por diversos métodos, variando de acordo com a complexidade matemática e o nível de precisão requerido. No Brasil, a Resolução PR nº 22/1983 do IBGE estabeleceu oficialmente o uso das equações simplificadas de Molodensky como padrão de conversão entre sistemas, especialmente entre o SAD69 e outros referenciais. Essas equações consideram diferenças nos parâmetros elipsoidais, como o semieixo maior (a) e o achatamento (f), além de translações entre os centros de referência. Embora simples, tais equações apresentaram resultados satisfatórios para a cartografia em escala nacional, apesar de não atenderem plenamente às demandas de precisão centimétrica. Mais tarde, a Resolução PR nº 23/1989 do IBGE oficializou parâmetros de transformação entre SAD69 e WGS84, atendendo à crescente utilização do GPS, que opera nativamente neste último sistema. Com isso, o Brasil passou a dispor de metodologias normatizadas que permitiram compatibilizar levantamentos nacionais com os padrões internacionais, fundamentais para integração tecnológica e científica.
As equações simplificadas de Molodensky constituem um modelo matemático que relaciona diretamente coordenadas geodésicas (latitude, longitude e altitude) entre dois referenciais, levando em conta parâmetros como translações (Δx, Δy, Δz), variação do semieixo maior (Δa) e diferença de achatamento (Δf). De aplicação relativamente simples, esse método foi amplamente difundido no Brasil, especialmente após sua normatização pelo IBGE. Contudo, como toda simplificação, ele introduz aproximações que podem gerar erros significativos em trabalhos de maior rigor. Para demandas mais precisas, existem as equações completas de Molodensky, que não fazem as mesmas simplificações, oferecendo resultados mais consistentes. Além disso, métodos mais sofisticados, como a transformação de Helmert (sete parâmetros), tornaram-se padrão em trabalhos que exigem elevada acurácia, como monitoramento geodinâmico, redes de alta precisão e georreferenciamento de imóveis. Esse modelo permite considerar translações, rotações e um fator de escala, gerando resultados robustos em escala global. Assim, a escolha do método de transformação deve sempre estar condicionada ao objetivo do estudo e ao nível de precisão exigido.
Outro aspecto importante diz respeito ao uso de coordenadas cartesianas tridimensionais (X, Y, Z) nos processos de transformação. Muitos sistemas modernos, como o WGS84 e o SIRGAS2000, trabalham diretamente com essas coordenadas obtidas a partir de observações GNSS. A conversão para coordenadas geodésicas (latitude, longitude e altura) exige fórmulas geométricas que relacionam o raio de curvatura, a altitude e os ângulos correspondentes à posição do ponto no elipsoide. Quando se deseja realizar transformações entre sistemas distintos, é comum aplicar primeiramente parâmetros de translação, rotação e escala sobre as coordenadas cartesianas e, em seguida, convertê-las novamente para coordenadas elipsoidais. Esse procedimento é considerado mais preciso, pois minimiza distorções locais e inconsistências oriundas de redes clássicas. Por esse motivo, transformações modernas entre SAD69 e SIRGAS2000 frequentemente são feitas no espaço cartesiano, garantindo maior consistência e confiabilidade dos resultados, especialmente quando se trata de compatibilizar levantamentos de diferentes épocas.
No contexto brasileiro, a transformação entre o SAD69 e o SIRGAS2000 é especialmente relevante. Isso porque, embora o SIRGAS2000 tenha sido oficialmente adotado como o referencial nacional em 2005, grande parte do acervo cartográfico, assim como bancos de dados públicos e privados, ainda permanece em SAD69. Essa dualidade exige processos de transformação constantes para que informações históricas possam ser integradas às bases modernas. O IBGE fornece parâmetros oficiais de conversão que asseguram a compatibilidade entre os dois sistemas. Em georreferenciamento de imóveis, por exemplo, é comum a necessidade de ajustar vértices cadastrados em SAD69 para o sistema atual, sob pena de inconsistências legais e técnicas. Além disso, deve-se considerar que o SIRGAS2000 é dinâmico, vinculado ao ITRF (International Terrestrial Reference Frame), o que implica a necessidade de considerar o tempo de observação, já que o deslocamento das placas tectônicas gera variações de coordenadas ao longo dos anos.
Outro caso frequente de conversão ocorre entre o WGS84 e o SIRGAS2000. Embora ambos utilizem elipsoides quase idênticos (GRS80 e WGS84, com pequenas diferenças no achatamento), divergências podem ocorrer em função das diferentes realizações temporais. O WGS84 passou por diversas atualizações (G730, G873, G1150, G1674, entre outras), cada uma mais alinhada às versões do ITRF, enquanto o SIRGAS2000 é uma realização estável vinculada ao ITRF2000. Para aplicações de navegação, as diferenças podem ser negligenciáveis, mas em estudos de alta precisão, como os relacionados ao monitoramento de deformações crustais ou de variações do nível do mar, torna-se essencial aplicar transformações formais. Nesse contexto, além da compatibilidade espacial, deve-se considerar também a coerência temporal, garantindo que os dados estejam referidos à mesma época geodésica, sem o que análises científicas poderiam ser comprometidas.
É importante salientar que as transformações entre sistemas de referência não possuem apenas um caráter técnico, mas também jurídico e institucional. No Brasil, o georreferenciamento de imóveis rurais, regulamentado pelo Incra, exige que os levantamentos sejam feitos no SIRGAS2000, impondo a necessidade de conversão de informações produzidas em SAD69. O IBGE desempenha papel central nesse processo, fornecendo parâmetros e ferramentas oficiais que asseguram uniformidade. O uso de métodos ou parâmetros não oficiais pode levar a erros jurídicos e comprometer a validade de trabalhos técnicos. No âmbito internacional, organismos como o IERS (International Earth Rotation and Reference Systems Service) e a IAG (International Association of Geodesy) estabelecem diretrizes que orientam transformações globais, permitindo que redes internacionais de observação, como o GNSS ou o SLR, operem de forma integrada. Isso garante que projetos multinacionais possam compartilhar e comparar dados de forma consistente, mesmo quando obtidos a partir de referenciais diferentes.
Um dos aspectos mais críticos nas transformações é o controle da precisão. Cada método apresenta limitações que precisam ser compatíveis com o objetivo do trabalho. As equações simplificadas de Molodensky, por exemplo, são adequadas para cartografia em pequena escala, mas podem gerar erros da ordem de metros, inviáveis em aplicações de engenharia. Modelos mais robustos, como o de Helmert, ou transformações via coordenadas cartesianas tridimensionais, podem atingir precisão centimétrica ou até milimétrica, tornando-se essenciais em estudos geodinâmicos e em georreferenciamentos oficiais. Além disso, é fundamental utilizar parâmetros de transformação oficiais fornecidos por órgãos como o IBGE, evitando erros sistemáticos que possam comprometer resultados. Em tempos de crescente integração de dados em sistemas de informação geográfica (SIG), a coerência espacial só pode ser assegurada por meio de transformações bem aplicadas e controladas.
Em conclusão, as transformações entre sistemas de referência geodésicos representam um tema central para a Geodésia contemporânea. Elas viabilizam a compatibilização de levantamentos de diferentes épocas e referenciais, assegurando a continuidade e a comparabilidade de informações espaciais que sustentam desde a cartografia básica até estudos de fronteira sobre mudanças climáticas e tectonismo. No Brasil, a transição do SAD69 para o SIRGAS2000 constitui um marco da modernização geodésica, alinhando o país aos padrões internacionais. Mais do que operações matemáticas, tais transformações envolvem uma complexa articulação de aspectos técnicos, científicos e legais, refletindo a interdependência entre a Geodésia e diversas áreas da sociedade. Compreender profundamente seus fundamentos, métodos e implicações é indispensável para pesquisadores e profissionais que atuam com informações geoespaciais, consolidando a integração entre o passado e o presente da Geodésia, e preparando o caminho para os desafios futuros da ciência da Terra.
Referências
GOMES, D. S. Transformações entre Sistemas de Referências Geodésicos. Aula da disciplina Geodésia II, 2025.
IBGE. Resolução PR nº 22, de 21 de julho de 1983.
IBGE. Resolução PR nº 23, de 21 de fevereiro de 1989.
IBGE. Resolução Presidencial nº 1, de 2005. Altera a caracterização do Sistema Geodésico Brasileiro.
MONICO, J. F. G. Posicionamento pelo GNSS: Descrição, fundamentos e aplicações. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2008.
OLIVEIRA, C. D. Sistemas de Referência em Geodésia. IBGE, 1998.
UFRGS. Transformação entre Referenciais Geodésicos. Disponível em: [https://www.ufrgs.br/lageo/calculos/refer\_exp.html](https://www.ufrgs.br/lageo/calculos/refer_exp.html). Acesso em: 22 mar. 2024.