Desde as civilizações antigas, o ser humano tem se interessado pela forma da Terra. Nos poemas de Homero, a Terra era descrita como um grande disco flutuando sobre o oceano. Filósofos como Pitágoras, Tales e Aristóteles rejeitaram a ideia de uma Terra plana e defenderam sua esfericidade. Aristóteles, no século IV a.C., forneceu argumentos para a forma esférica da Terra, como o contorno circular da sombra terrestre durante eclipses e a variação do céu estrelado com a latitude. Eratóstenes, por sua vez, foi o primeiro a calcular as dimensões da Terra com base na observação do Sol em diferentes locais. Cerca de 150 anos depois, Posidônio utilizou um método semelhante, mas com a estrela Canopus, para determinar a circunferência da Terra.
A compreensão da forma da Terra evoluiu com o tempo. Ptolomeu desenvolveu o sistema geocêntrico, que predominou por séculos até ser refutado por Copérnico, que propôs que a Terra se movia ao redor do Sol. No século XVII, Picard utilizou uma luneta com retículos para medir o arco do meridiano e calcular o raio da Terra, cujas medições foram usadas por Newton em sua teoria da gravitação universal. Newton também sugeriu que a Terra era achatada nos polos, ideia confirmada por medições pendulares.
No século XVIII, expedições organizadas pela Academia de Ciências de Paris mediram arcos de meridiano em diferentes latitudes para resolver a controvérsia sobre a forma da Terra, concluindo que ela é um elipsoide achatado nos polos. Com o avanço das medições geodésicas, foram calculados parâmetros para o elipsoide de revolução ideal. A Geodésia do século XIX concentrou-se na pesquisa de parâmetros do melhor elipsoide.
Em uma abordagem inicial, as irregularidades da superfície da Terra podem ser desconsideradas, simplificando o problema para a determinação das dimensões do modelo geométrico mais apropriado. Devido a essas irregularidades, utilizam-se modelos ou superfícies de referência que são mais simples e regulares, com características geométricas bem definidas, que permitem a realização de ajustes e servem de base para cálculos e representações.
As superfícies de referência utilizadas nos levantamentos são o plano topográfico, o elipsoide de revolução, a esfera e o geoide.
Como já mencionado, o homem procura conhecer melhor o planeta em que vive. Este conhecimento traduz-se na definição da forma do planeta Terra, suas dimensões, comportamento dinâmico etc. Estas informações servem de apoio às atividades de mapeamento cartográfico para representação da Terra, as quais utilizam medições efetuadas na superfície terrestre, para posterior obtenção das coordenadas de pontos de interesse.
Do ponto de vista geodésico, a coleta dos dados de campo, as medições, o processamento dos dados para obtenção das coordenadas dos pontos de apoio, devem ser feitas com alta precisão. Desta forma, no desenvolvimento das atividades geodésicas, é preciso estabelecer um sistema geodésico de referência para o posicionamento a nível nacional.
Com a evolução científica tecnológica vivenciada nas últimas décadas, algumas ciências tiveram de se adequar a esta nova realidade, entre elas a Geodésia. De acordo com a definição clássica de Friedrich Robert Helmert (1880), a Geodésia é a ciência responsável pela medição e mapeamento da superfície da Terra. Esta superfície é influenciada pelo campo gravitacional terrestre, ao qual a maioria das observações geodésicas está relacionada. Portanto, a definição de Geodésia inclui também a determinação do campo gravitacional da Terra.
Mais recentemente, o escopo da Geodésia expandiu-se para incluir aplicações não só na Terra, mas também no oceano e no espaço. Em colaboração com outras ciências, a Geodésia agora abrange a determinação do fundo oceânico e o estudo da superfície e do campo gravitacional de outros corpos celestes, como a Lua (Geodésia lunar) e planetas (Geodésia planetária). Além disso, na definição clássica, deve-se considerar as “variações temporais da superfície da Terra e seu campo gravitacional”.
Para alcançar seus objetivos, a Geodésia emprega diferentes tipos de operações, o que leva à sua divisão em: Geodésia Geométrica, Geodésia Física e Geodésia Espacial. A Geodésia Geométrica realiza operações geométricas na superfície terrestre, como medições de ângulos e distâncias, muitas vezes combinadas com determinações astronômicas. A Geodésia Física foca em medições gravimétricas que proporcionam um conhecimento detalhado do campo gravitacional. Por sua vez, a Geodésia Espacial utiliza técnicas de posicionamento espacial, como o uso de satélites artificiais (Gemael, 1987, Hofmann-Wellenhof; Moritz, 2006).
Com base nesses conceitos, o problema fundamental da Geodésia pode ser definido como: “determinar a forma e o campo gravitacional externo da Terra e de outros corpos celestes ao longo do tempo, a partir de observações realizadas tanto sobre suas superfícies quanto em seus arredores”.
A Geodésia possui uma ampla gama de aplicações que se estendem por diversos campos. Segundo Peter Vanicëk (1982), a Geodésia tem sua aplicação em Produção de Mapas: Na distribuição e implantação de pontos de controle, tanto horizontais como verticais, na superfície terrestre, estabelecendo uma rede de vértices geodésicos georeferenciados que servirão de apoio para as atividades de mapeamento cartográfico;Planejamento urbano: A necessidade de georeferenciamento de pontos de controle geodésico, a serem utilizados na identificação e localização de vias urbanas, logradouros públicos, etc, fomentando o desenvolvimento urbano; Projetos de Obras Engenharia: Grandes estruturas, tais como barragens, pontes e grandes edifícios necessitam dispor de plantas para uma perfeita localização predeterminada. No caso de barragens e irrigações, a forma da superfície equipotencial deve ser conhecida. A determinação do movimento e a forma da superfície equipotencial são função da Geodésia; Ecologia: o estudo do efeito da ação do homem no meio ambiente. Atividades tais como movimento de terra, água subterrânea, extração de petróleo, possuem os efeitos monitorados mediante a Geodésia; Gestão de Recursos Naturais e Meio Ambiente: A Geodésia auxilia na gestão de recursos naturais ao fornecer dados para o monitoramento e mapeamento de recursos como água, florestas e minerais. Também é utilizada na modelagem de bacias hidrográficas e no planejamento de uso do solo, contribuindo para a conservação ambiental.
Outras aplicações: Monitoramento de Movimentos da Crosta Terrestre: A Geodésia é utilizada para monitorar movimentos tectônicos e deformações da crosta terrestre. Técnicas como o GNSS (Global Navigation Satellite System) e a interferometria de radar são empregadas para detectar e medir pequenas deformações que ocorrem devido a processos geofísicos, como terremotos e subsidência (Silva; Segantine, 2015); Navegação e Transporte: A Geodésia é fundamental para sistemas de navegação global, como o GPS, que dependem de coordenadas precisas para a orientação de aeronaves, embarcações e veículos terrestres, garantindo operações seguras e eficientes (Teunissen; Montenbruck, 2017); Como também: demarcação de limites territoriais, cadastro imobiliários e fundiários, mapeamentos para a produção da Cartografia Temática etc.
Os métodos de levantamento geodésicos são fundamentais para a determinação precisa das coordenadas e altitudes de pontos na superfície terrestre, desempenhando um papel crucial em diversas aplicações, como a cartografia, a construção civil e o monitoramento ambiental. Os principais métodos utilizados na geodésia incluem a triangulação, trilateração, nivelamento, e o posicionamento por satélite (GNSS). Cada um desses métodos possui características próprias e é aplicado conforme as necessidades específicas de precisão e as condições do terreno.
A triangulação é um método clássico de levantamento geodésico que envolve a medição de ângulos a partir de pontos de controle conhecidos, formando uma rede de triângulos conectados. Cada ponto na rede é determinado com base em ângulos medidos a partir de dois ou mais pontos previamente estabelecidos. Este método é amplamente utilizado em levantamentos topográficos de grandes áreas e em terrenos acidentados, onde a medição direta de distâncias é difícil (Bomford, 1980).
A trilateração, por outro lado, baseia-se na medição de distâncias entre pontos de controle, utilizando instrumentos como distanciômetros eletrônicos. Esse método é particularmente útil em áreas onde é possível medir distâncias com alta precisão, mas onde a medição de ângulos pode ser menos confiável (Seeger, 2008).
O nivelamento geométrico é um método de levantamento que permite determinar a diferença de altura entre pontos utilizando níveis ópticos e miras. Esse método é especialmente útil na construção civil e no mapeamento de terrenos, onde a precisão das elevações é crucial. As medições são realizadas ao longo de linhas retas, com o nível posicionado entre dois pontos sucessivos, garantindo a precisão das altitudes determinadas (Molodesnky et al., 1962).
O nivelamento trigonométrico, por sua vez, é utilizado em terrenos mais acidentados, onde a medição direta de alturas seria impraticável. Este método utiliza ângulos verticais e distâncias horizontais para calcular a diferença de altura entre dois pontos. A precisão do nivelamento trigonométrico depende da qualidade dos instrumentos e da exatidão das medições angulares (Ghilani, 2017).
O desenvolvimento do GNSS, que inclui sistemas como GPS, GLONASS, Galileo e BeiDou, revolucionou os métodos de levantamento geodésico. O GNSS permite a determinação de coordenadas tridimensionais com alta precisão em qualquer ponto da superfície terrestre. O sistema utiliza sinais transmitidos por satélites, que são captados por receptores GNSS em terra, possibilitando o cálculo das coordenadas com base na trilateração espacial (Hofmann-Wellenhof; Moritz, 2006).
O GNSS oferece dois principais métodos de posicionamento: o posicionamento absoluto e o posicionamento relativo. No posicionamento absoluto, um único receptor é utilizado para determinar sua posição em relação aos satélites. No posicionamento relativo, dois ou mais receptores são utilizados simultaneamente, comparando as medições feitas por ambos para aumentar a precisão das coordenadas calculadas (Monico, 2008).
Sempre que é necessário realizar o levantamento de uma grande área da superfície terrestre, é recomendável estabelecer uma rede de pontos de controle, chamados de marcos geodésicos. Esses pontos de controle, que podem ser construídos especificamente para este fim ou definidos a partir de estruturas já existentes, têm suas posições determinadas em relação a um sistema de referência adotado. Uma vez conhecidas suas coordenadas, esses pontos podem ser utilizados em diversos contextos, como em estudos geofísicos, monitoramento de satélites artificiais, demarcação de fronteiras nacionais e internacionais,confecção de mapas, exploração de recursos naturais, e monitoramento de estruturas. Além disso, esses pontos devem atender às exigências de pesquisas científicas e da engenharia geodésica.
Uma rede geodésica pode ser entendida como um objeto geométrico, onde seus pontos são definidos exclusivamente por suas coordenadas, as quais não são observáveis diretamente, mas sim obtidas através de medições realizadas entre os pontos da rede. Um melhor entendimento para uma rede geodésica é: um conjunto de pontos cuja localização precisa na superfície terrestre é conhecida em um sistema de coordenadas específico, geralmente global, como o Sistema Geodésico Mundial (WGS84). Esses pontos são estabelecidos através de métodos de levantamento geodésico, como medições GNSS, trilateração e nivelamento, e são usados para apoiar uma ampla gama de atividades de posicionamento, navegação, mapeamento e monitoramento de movimentos da crosta terrestre.
De acordo com Segantine (1995) e Santos (1998), as redes geodésicas clássicas são classificadas em quatro ordens: a rede de primeira ordem consiste em polígonos com lados de grande extensão, variando de 20 a 50 km ou mais; a rede de segunda ordem possui lados com comprimentos entre 10 e 20 km; a rede de terceira ordem apresenta lados entre 5 e 10 km; e a rede de quarta ordem tem lados que medem entre 1 e 3 km. Leick (2004) enfatiza que uma rede geodésica bem estabelecida é fundamental para manter a integridade dos dados de posicionamento e para apoiar uma ampla gama de aplicações científicas e comerciais.
Tradicionalmente, o conjunto de coordenadas utilizado para descrever as posições dos pontos na superfície terrestre é dividido em componentes horizontais e verticais, resultando em redes geodésicas horizontais e verticais.
De acordo com Krakiwski et al. (1986), redes geodésicas horizontais são compostas por pontos cujas coordenadas são determinadas em relação a um sistema de referência específico. As altitudes ortométricas dos pontos de controle dentro de uma rede geodésica horizontal são calculadas de maneira aproximada. O sistema de referência utilizado para o estabelecimento dessas redes horizontais é baseado em um elipsoide de rotação, cuja forma e tamanho são tradicionalmente definidos pelos comprimentos do semieixo maior e do semieixo menor. As redes horizontais são, portanto, fundamentadas na superfície desse elipsoide de referência.
As redes geodésicas verticais são compostas por pontos definidos apenas por uma coordenada de altitude, que representa a altura em relação ao nível do mar, ou, de maneira mais precisa, em relação ao geoide. Essas redes são também conhecidas como redes de alturas geodésicas, e algumas vezes são chamadas de "redes verticais".
Mesmo as redes de pontos verticais necessitam de alguns pontos com coordenadas horizontais associadas. A principal diferença entre redes verticais e horizontais é que, nas redes verticais, o posicionamento horizontal é conhecido, mas com menor precisão, enquanto, nas redes horizontais, a altitude é determinada de forma aproximada.
Países como Estados Unidos da América, Canadá, Alemanha, Austrália, Suíça, Áustria e outros países europeus possuem redes geodésicas horizontais e verticais. No Brasil dispomos de uma Rede Geodésica denominada de “Sistema Geodésico Brasileiro” com informações planimétricas, altimétricas e gravimétricas do território nacional.
O surgimento da tecnologia GNSS transformou profundamente o conceito de redes geodésicas. Atualmente, os posicionamentos geodésicos realizados com GNSS podem alcançar precisões de 1 a 2 ppm com relativa facilidade, desde que realizados por empresas equipadas com receptores que observam a fase da portadora (IBGE, 1994). Atualmente, discute-se a criação de "super-redes" de alta precisão utilizando tecnologias como VLBI, LLR, SLR e GNSS.
As redes geodésicas podem ser classificadas em globais, nacionais e locais, dependendo da extensão geográfica e do nível de precisão requerido. As redes globais, como a ITRF (International Terrestrial Reference Frame), fornecem um quadro de referência global para posicionamento e navegação, enquanto as redes nacionais e locais são usadas para projetos regionais e específicos.
A Rede GNSS Internacional (IGS) foi proposta pela NASA em 1989, a implantação do IGS foi formalizada em 1º de fevereiro de 1991. O IGS é uma rede internacional composta por cerca de duzentas estações que operam continuamente com receptores de dupla frequência. Além dessas estações, a rede inclui doze Centros Regionais de Análise de Dados, três Centros Globais de Dados, sete Centros de Análise e uma agência central localizada no Jet Propulsion Laboratory (JPL, 1991).
O IGS coleta dados de observação GNSS que são utilizados para gerar produtos como efemérides precisas, parâmetros de rotação da Terra, coordenadas e velocidades das estações IGS, e informações sobre os relógios das estações. A precisão desses produtos apoia diversas atividades, incluindo o monitoramento de deformações da crosta terrestre, a determinação das órbitas de satélites e o acompanhamento da ionosfera.
A Rede Continental Sul-Americana. O projeto de implantação do Sistema de Referência Geocêntrico para a América do Sul (SIRGAS) foi iniciado durante a Conferência Internacional para a definição de um Datum Geocêntrico para a América do Sul, realizada em 1993, em Assunção, Paraguai. Durante a conferência, foram estabelecidas definições específicas para o sistema de referência e o datum geocêntrico do continente.Sua definição é idêntica à do Sistema de Referência Terrestre Internacional (ITRS: International Terrestrial Reference System) e sua realização é uma densificação regional da realização do ITRS (ITRF) na América (IBGE, s.d). O datum geocêntrico foi definido com base nos eixos coordenados do sistema de referência SIRGAS e nos parâmetros do elipsoide do "Geodetic Reference System (GRS) de 1980".
< br /> A Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo dos Sistemas GNSS (RBMC) é uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) criada em 1996, que tem como objetivo fornecer dados precisos e em tempo real para diversas aplicações geodésicas e de navegação no Brasil. A RBMC é composta por uma rede de estações de rastreamento GNSS distribuídas estrategicamente pelo território brasileiro, operando continuamente e capturando sinais de satélites como GPS, GLONASS, Galileo e BeiDou. Esses dados são transmitidos para centros de processamento e disponibilizados ao público, apoiando uma ampla gama de atividades que exigem dados geoespaciais precisos (IBGE, 2024).
As estações da RBMC são equipadas com receptores GNSS de alta precisão, operando em dupla frequência, o que garante uma coleta de dados robusta e precisa. Elas eliminam a necessidade de manter um receptor em um ponto fixo de coordenadas conhecidas, facilitando o trabalho em áreas de difícil acesso. As informações coletadas pelas estações da RBMC são integradas ao SIRGAS, garantindo uma precisão de aproximadamente ± 5 mm, e são usadas para diversas finalidades, como o monitoramento de deformações da crosta terrestre, a determinação de órbitas de satélites e a densificação da rede do IGS, contribuindo significativamente para a precisão dos produtos geoespaciais no Brasil.
A geodésia é uma ciência fundamental para uma ampla gama de aplicações que vão desde a cartografia e navegação até o monitoramento de fenômenos naturais e a construção de grandes obras de engenharia. Os avanços tecnológicos, especialmente no campo do GNSS, ampliaram as possibilidades da geodésia, permitindo medições mais precisas e eficientes. Redes geodésicas, tanto nacionais quanto internacionais, desempenham um papel crucial na integração e padronização dos dados geoespaciais, assegurando a precisão e a consistência necessárias para o desenvolvimento de aplicações críticas em todo o mundo.
Referências
A compreensão da forma da Terra evoluiu com o tempo. Ptolomeu desenvolveu o sistema geocêntrico, que predominou por séculos até ser refutado por Copérnico, que propôs que a Terra se movia ao redor do Sol. No século XVII, Picard utilizou uma luneta com retículos para medir o arco do meridiano e calcular o raio da Terra, cujas medições foram usadas por Newton em sua teoria da gravitação universal. Newton também sugeriu que a Terra era achatada nos polos, ideia confirmada por medições pendulares.
No século XVIII, expedições organizadas pela Academia de Ciências de Paris mediram arcos de meridiano em diferentes latitudes para resolver a controvérsia sobre a forma da Terra, concluindo que ela é um elipsoide achatado nos polos. Com o avanço das medições geodésicas, foram calculados parâmetros para o elipsoide de revolução ideal. A Geodésia do século XIX concentrou-se na pesquisa de parâmetros do melhor elipsoide.
Em uma abordagem inicial, as irregularidades da superfície da Terra podem ser desconsideradas, simplificando o problema para a determinação das dimensões do modelo geométrico mais apropriado. Devido a essas irregularidades, utilizam-se modelos ou superfícies de referência que são mais simples e regulares, com características geométricas bem definidas, que permitem a realização de ajustes e servem de base para cálculos e representações.
As superfícies de referência utilizadas nos levantamentos são o plano topográfico, o elipsoide de revolução, a esfera e o geoide.
Como já mencionado, o homem procura conhecer melhor o planeta em que vive. Este conhecimento traduz-se na definição da forma do planeta Terra, suas dimensões, comportamento dinâmico etc. Estas informações servem de apoio às atividades de mapeamento cartográfico para representação da Terra, as quais utilizam medições efetuadas na superfície terrestre, para posterior obtenção das coordenadas de pontos de interesse.
Do ponto de vista geodésico, a coleta dos dados de campo, as medições, o processamento dos dados para obtenção das coordenadas dos pontos de apoio, devem ser feitas com alta precisão. Desta forma, no desenvolvimento das atividades geodésicas, é preciso estabelecer um sistema geodésico de referência para o posicionamento a nível nacional.
Com a evolução científica tecnológica vivenciada nas últimas décadas, algumas ciências tiveram de se adequar a esta nova realidade, entre elas a Geodésia. De acordo com a definição clássica de Friedrich Robert Helmert (1880), a Geodésia é a ciência responsável pela medição e mapeamento da superfície da Terra. Esta superfície é influenciada pelo campo gravitacional terrestre, ao qual a maioria das observações geodésicas está relacionada. Portanto, a definição de Geodésia inclui também a determinação do campo gravitacional da Terra.
Mais recentemente, o escopo da Geodésia expandiu-se para incluir aplicações não só na Terra, mas também no oceano e no espaço. Em colaboração com outras ciências, a Geodésia agora abrange a determinação do fundo oceânico e o estudo da superfície e do campo gravitacional de outros corpos celestes, como a Lua (Geodésia lunar) e planetas (Geodésia planetária). Além disso, na definição clássica, deve-se considerar as “variações temporais da superfície da Terra e seu campo gravitacional”.
Para alcançar seus objetivos, a Geodésia emprega diferentes tipos de operações, o que leva à sua divisão em: Geodésia Geométrica, Geodésia Física e Geodésia Espacial. A Geodésia Geométrica realiza operações geométricas na superfície terrestre, como medições de ângulos e distâncias, muitas vezes combinadas com determinações astronômicas. A Geodésia Física foca em medições gravimétricas que proporcionam um conhecimento detalhado do campo gravitacional. Por sua vez, a Geodésia Espacial utiliza técnicas de posicionamento espacial, como o uso de satélites artificiais (Gemael, 1987, Hofmann-Wellenhof; Moritz, 2006).
Com base nesses conceitos, o problema fundamental da Geodésia pode ser definido como: “determinar a forma e o campo gravitacional externo da Terra e de outros corpos celestes ao longo do tempo, a partir de observações realizadas tanto sobre suas superfícies quanto em seus arredores”.
A Geodésia possui uma ampla gama de aplicações que se estendem por diversos campos. Segundo Peter Vanicëk (1982), a Geodésia tem sua aplicação em Produção de Mapas: Na distribuição e implantação de pontos de controle, tanto horizontais como verticais, na superfície terrestre, estabelecendo uma rede de vértices geodésicos georeferenciados que servirão de apoio para as atividades de mapeamento cartográfico;Planejamento urbano: A necessidade de georeferenciamento de pontos de controle geodésico, a serem utilizados na identificação e localização de vias urbanas, logradouros públicos, etc, fomentando o desenvolvimento urbano; Projetos de Obras Engenharia: Grandes estruturas, tais como barragens, pontes e grandes edifícios necessitam dispor de plantas para uma perfeita localização predeterminada. No caso de barragens e irrigações, a forma da superfície equipotencial deve ser conhecida. A determinação do movimento e a forma da superfície equipotencial são função da Geodésia; Ecologia: o estudo do efeito da ação do homem no meio ambiente. Atividades tais como movimento de terra, água subterrânea, extração de petróleo, possuem os efeitos monitorados mediante a Geodésia; Gestão de Recursos Naturais e Meio Ambiente: A Geodésia auxilia na gestão de recursos naturais ao fornecer dados para o monitoramento e mapeamento de recursos como água, florestas e minerais. Também é utilizada na modelagem de bacias hidrográficas e no planejamento de uso do solo, contribuindo para a conservação ambiental.
Outras aplicações: Monitoramento de Movimentos da Crosta Terrestre: A Geodésia é utilizada para monitorar movimentos tectônicos e deformações da crosta terrestre. Técnicas como o GNSS (Global Navigation Satellite System) e a interferometria de radar são empregadas para detectar e medir pequenas deformações que ocorrem devido a processos geofísicos, como terremotos e subsidência (Silva; Segantine, 2015); Navegação e Transporte: A Geodésia é fundamental para sistemas de navegação global, como o GPS, que dependem de coordenadas precisas para a orientação de aeronaves, embarcações e veículos terrestres, garantindo operações seguras e eficientes (Teunissen; Montenbruck, 2017); Como também: demarcação de limites territoriais, cadastro imobiliários e fundiários, mapeamentos para a produção da Cartografia Temática etc.
Os métodos de levantamento geodésicos são fundamentais para a determinação precisa das coordenadas e altitudes de pontos na superfície terrestre, desempenhando um papel crucial em diversas aplicações, como a cartografia, a construção civil e o monitoramento ambiental. Os principais métodos utilizados na geodésia incluem a triangulação, trilateração, nivelamento, e o posicionamento por satélite (GNSS). Cada um desses métodos possui características próprias e é aplicado conforme as necessidades específicas de precisão e as condições do terreno.
A triangulação é um método clássico de levantamento geodésico que envolve a medição de ângulos a partir de pontos de controle conhecidos, formando uma rede de triângulos conectados. Cada ponto na rede é determinado com base em ângulos medidos a partir de dois ou mais pontos previamente estabelecidos. Este método é amplamente utilizado em levantamentos topográficos de grandes áreas e em terrenos acidentados, onde a medição direta de distâncias é difícil (Bomford, 1980).
A trilateração, por outro lado, baseia-se na medição de distâncias entre pontos de controle, utilizando instrumentos como distanciômetros eletrônicos. Esse método é particularmente útil em áreas onde é possível medir distâncias com alta precisão, mas onde a medição de ângulos pode ser menos confiável (Seeger, 2008).
O nivelamento geométrico é um método de levantamento que permite determinar a diferença de altura entre pontos utilizando níveis ópticos e miras. Esse método é especialmente útil na construção civil e no mapeamento de terrenos, onde a precisão das elevações é crucial. As medições são realizadas ao longo de linhas retas, com o nível posicionado entre dois pontos sucessivos, garantindo a precisão das altitudes determinadas (Molodesnky et al., 1962).
O nivelamento trigonométrico, por sua vez, é utilizado em terrenos mais acidentados, onde a medição direta de alturas seria impraticável. Este método utiliza ângulos verticais e distâncias horizontais para calcular a diferença de altura entre dois pontos. A precisão do nivelamento trigonométrico depende da qualidade dos instrumentos e da exatidão das medições angulares (Ghilani, 2017).
O desenvolvimento do GNSS, que inclui sistemas como GPS, GLONASS, Galileo e BeiDou, revolucionou os métodos de levantamento geodésico. O GNSS permite a determinação de coordenadas tridimensionais com alta precisão em qualquer ponto da superfície terrestre. O sistema utiliza sinais transmitidos por satélites, que são captados por receptores GNSS em terra, possibilitando o cálculo das coordenadas com base na trilateração espacial (Hofmann-Wellenhof; Moritz, 2006).
O GNSS oferece dois principais métodos de posicionamento: o posicionamento absoluto e o posicionamento relativo. No posicionamento absoluto, um único receptor é utilizado para determinar sua posição em relação aos satélites. No posicionamento relativo, dois ou mais receptores são utilizados simultaneamente, comparando as medições feitas por ambos para aumentar a precisão das coordenadas calculadas (Monico, 2008).
Sempre que é necessário realizar o levantamento de uma grande área da superfície terrestre, é recomendável estabelecer uma rede de pontos de controle, chamados de marcos geodésicos. Esses pontos de controle, que podem ser construídos especificamente para este fim ou definidos a partir de estruturas já existentes, têm suas posições determinadas em relação a um sistema de referência adotado. Uma vez conhecidas suas coordenadas, esses pontos podem ser utilizados em diversos contextos, como em estudos geofísicos, monitoramento de satélites artificiais, demarcação de fronteiras nacionais e internacionais,confecção de mapas, exploração de recursos naturais, e monitoramento de estruturas. Além disso, esses pontos devem atender às exigências de pesquisas científicas e da engenharia geodésica.
Uma rede geodésica pode ser entendida como um objeto geométrico, onde seus pontos são definidos exclusivamente por suas coordenadas, as quais não são observáveis diretamente, mas sim obtidas através de medições realizadas entre os pontos da rede. Um melhor entendimento para uma rede geodésica é: um conjunto de pontos cuja localização precisa na superfície terrestre é conhecida em um sistema de coordenadas específico, geralmente global, como o Sistema Geodésico Mundial (WGS84). Esses pontos são estabelecidos através de métodos de levantamento geodésico, como medições GNSS, trilateração e nivelamento, e são usados para apoiar uma ampla gama de atividades de posicionamento, navegação, mapeamento e monitoramento de movimentos da crosta terrestre.
De acordo com Segantine (1995) e Santos (1998), as redes geodésicas clássicas são classificadas em quatro ordens: a rede de primeira ordem consiste em polígonos com lados de grande extensão, variando de 20 a 50 km ou mais; a rede de segunda ordem possui lados com comprimentos entre 10 e 20 km; a rede de terceira ordem apresenta lados entre 5 e 10 km; e a rede de quarta ordem tem lados que medem entre 1 e 3 km. Leick (2004) enfatiza que uma rede geodésica bem estabelecida é fundamental para manter a integridade dos dados de posicionamento e para apoiar uma ampla gama de aplicações científicas e comerciais.
Tradicionalmente, o conjunto de coordenadas utilizado para descrever as posições dos pontos na superfície terrestre é dividido em componentes horizontais e verticais, resultando em redes geodésicas horizontais e verticais.
De acordo com Krakiwski et al. (1986), redes geodésicas horizontais são compostas por pontos cujas coordenadas são determinadas em relação a um sistema de referência específico. As altitudes ortométricas dos pontos de controle dentro de uma rede geodésica horizontal são calculadas de maneira aproximada. O sistema de referência utilizado para o estabelecimento dessas redes horizontais é baseado em um elipsoide de rotação, cuja forma e tamanho são tradicionalmente definidos pelos comprimentos do semieixo maior e do semieixo menor. As redes horizontais são, portanto, fundamentadas na superfície desse elipsoide de referência.
As redes geodésicas verticais são compostas por pontos definidos apenas por uma coordenada de altitude, que representa a altura em relação ao nível do mar, ou, de maneira mais precisa, em relação ao geoide. Essas redes são também conhecidas como redes de alturas geodésicas, e algumas vezes são chamadas de "redes verticais".
Mesmo as redes de pontos verticais necessitam de alguns pontos com coordenadas horizontais associadas. A principal diferença entre redes verticais e horizontais é que, nas redes verticais, o posicionamento horizontal é conhecido, mas com menor precisão, enquanto, nas redes horizontais, a altitude é determinada de forma aproximada.
Países como Estados Unidos da América, Canadá, Alemanha, Austrália, Suíça, Áustria e outros países europeus possuem redes geodésicas horizontais e verticais. No Brasil dispomos de uma Rede Geodésica denominada de “Sistema Geodésico Brasileiro” com informações planimétricas, altimétricas e gravimétricas do território nacional.
O surgimento da tecnologia GNSS transformou profundamente o conceito de redes geodésicas. Atualmente, os posicionamentos geodésicos realizados com GNSS podem alcançar precisões de 1 a 2 ppm com relativa facilidade, desde que realizados por empresas equipadas com receptores que observam a fase da portadora (IBGE, 1994). Atualmente, discute-se a criação de "super-redes" de alta precisão utilizando tecnologias como VLBI, LLR, SLR e GNSS.
As redes geodésicas podem ser classificadas em globais, nacionais e locais, dependendo da extensão geográfica e do nível de precisão requerido. As redes globais, como a ITRF (International Terrestrial Reference Frame), fornecem um quadro de referência global para posicionamento e navegação, enquanto as redes nacionais e locais são usadas para projetos regionais e específicos.
A Rede GNSS Internacional (IGS) foi proposta pela NASA em 1989, a implantação do IGS foi formalizada em 1º de fevereiro de 1991. O IGS é uma rede internacional composta por cerca de duzentas estações que operam continuamente com receptores de dupla frequência. Além dessas estações, a rede inclui doze Centros Regionais de Análise de Dados, três Centros Globais de Dados, sete Centros de Análise e uma agência central localizada no Jet Propulsion Laboratory (JPL, 1991).
O IGS coleta dados de observação GNSS que são utilizados para gerar produtos como efemérides precisas, parâmetros de rotação da Terra, coordenadas e velocidades das estações IGS, e informações sobre os relógios das estações. A precisão desses produtos apoia diversas atividades, incluindo o monitoramento de deformações da crosta terrestre, a determinação das órbitas de satélites e o acompanhamento da ionosfera.
A Rede Continental Sul-Americana. O projeto de implantação do Sistema de Referência Geocêntrico para a América do Sul (SIRGAS) foi iniciado durante a Conferência Internacional para a definição de um Datum Geocêntrico para a América do Sul, realizada em 1993, em Assunção, Paraguai. Durante a conferência, foram estabelecidas definições específicas para o sistema de referência e o datum geocêntrico do continente.Sua definição é idêntica à do Sistema de Referência Terrestre Internacional (ITRS: International Terrestrial Reference System) e sua realização é uma densificação regional da realização do ITRS (ITRF) na América (IBGE, s.d). O datum geocêntrico foi definido com base nos eixos coordenados do sistema de referência SIRGAS e nos parâmetros do elipsoide do "Geodetic Reference System (GRS) de 1980".
< br /> A Rede Brasileira de Monitoramento Contínuo dos Sistemas GNSS (RBMC) é uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) criada em 1996, que tem como objetivo fornecer dados precisos e em tempo real para diversas aplicações geodésicas e de navegação no Brasil. A RBMC é composta por uma rede de estações de rastreamento GNSS distribuídas estrategicamente pelo território brasileiro, operando continuamente e capturando sinais de satélites como GPS, GLONASS, Galileo e BeiDou. Esses dados são transmitidos para centros de processamento e disponibilizados ao público, apoiando uma ampla gama de atividades que exigem dados geoespaciais precisos (IBGE, 2024).
As estações da RBMC são equipadas com receptores GNSS de alta precisão, operando em dupla frequência, o que garante uma coleta de dados robusta e precisa. Elas eliminam a necessidade de manter um receptor em um ponto fixo de coordenadas conhecidas, facilitando o trabalho em áreas de difícil acesso. As informações coletadas pelas estações da RBMC são integradas ao SIRGAS, garantindo uma precisão de aproximadamente ± 5 mm, e são usadas para diversas finalidades, como o monitoramento de deformações da crosta terrestre, a determinação de órbitas de satélites e a densificação da rede do IGS, contribuindo significativamente para a precisão dos produtos geoespaciais no Brasil.
A geodésia é uma ciência fundamental para uma ampla gama de aplicações que vão desde a cartografia e navegação até o monitoramento de fenômenos naturais e a construção de grandes obras de engenharia. Os avanços tecnológicos, especialmente no campo do GNSS, ampliaram as possibilidades da geodésia, permitindo medições mais precisas e eficientes. Redes geodésicas, tanto nacionais quanto internacionais, desempenham um papel crucial na integração e padronização dos dados geoespaciais, assegurando a precisão e a consistência necessárias para o desenvolvimento de aplicações críticas em todo o mundo.
Referências